Magia negra e o inferno
O que é o inferno ? Trata-se de um debate teológico que tem perpassado varias escolas de pensamento místico.
Jacques Collin de Plancy ( 1793 – 1881) célebre ocultista e demonologista Francês, autor do influente «Dictionnaire Infernal», um tratado de demonologia publicado em 1818, dá nota da crença generalizada que o inferno se encontra situado no centro da terra, quando na verdade se trata de uma realidade espiritual, e não terrena. Já o Dr. Jean Henri van Swinden (1746 – 1823), em notas e pensamentos sobre o inferno, localizava-o no Sol, pois era onde ardia em fogo eterno, o que de certa forma coincidia com o pensamento de certos demonologistas que encontravam nessa noção uma justificação para o nome Lucifer significar «portador de luz», e fazerem uma correlação entre Lucifer e o Deus Apolo, o belo Deus Solar pagão, o mais belo filho de Zeus, conforme Lúcifer era o mais belo arcanjo de Deus.
Peter Binsfeld foi um Demonologista alemão ( 1540-1603), que estudou num colégio jesuíta em Roma. Em 1589 Binsfeld escreveu a sua notória obra Tratactus de Confessionibus et Sagarum , um influente grimório no qual observava ao fenómeno da bruxaria e da magia negra, constatava a existência de tais realidades espirituais. Na sua obra, Binsfeld identifica Beelzebub como um dos demónios mais importantes da hierarquia do Inferno, em nome de quem as bruxas davam graças aos alimentos nos seus banquetes, e o chamavam de «Criador e preservador de todas as coisas».
Os demónios são anjos caídos, que foram banidos da presença de Deus e desde então vivem em exílio, afastados do reino celestial de Deus, ( o chamado «céu»), habitando tanto neste mundo mundo terreno, assim como no «mundo dos mortos», que é o «Sheol» Hebraico, ou o «Hades» Helénico, ou seja: o local para onde as almas dos humanos vão depois da morte, para encontrarem o seu repouso eterno, ao contrário daquilo que a teologia Cristã encara erroneamente na sua noção punitiva de «Inferno»,
A confusão entre o «Sheol» original dos Hebraicos, e o «inferno» punitivo posteriormente criado pelos cristãos, é um erro típico da teologia cristã: o cristianismo vê o inferno como um lugar de eterna condenação dos maus, ao passo que na verdade o original «sheol» (a noção hebraica de onde nasceu a lenda mitológica do “Inferno” segundo o catolicismo), é o «reino dos mortos», o local para onde vão as almas daqueles que faleceram, para ali repousarem na sua vida pós-morte.
Trata-se por isso do mundo onde habitam as almas de todos os mortos, e não de um local de condenação, ou pelo menos não inteiramente: nesse local quem é condenável será purificado, e quem não o é viverá pacificamente e em liberdade. Por isso, esta noção corresponde antes a um arquétipo do «mundo dos espíritos», onde todas as almas são purificadas. Segundo o evangelho sobre José (um texto apócrifo do Século V d.C.), o «inferno» é tido com um lugar por onde as almas tem de passar (através dos 7 véus das trevas – cap. XXII, XXIII – ), para se purificarem.
Trata-se antes e por isso, de um processo espiritual que sucede após a morte, trata-se da transposição de uma passagem (cap. XXII), comum a todo o ser humano após a sua morte: todos passam por essa transição, independentemente de serem pecadores ou não.
A mesma noção também encontramos noutro texto apócrifo, os Actos de Pilatos, onde verificamos que no “inferno” se encontram em repouso eterno as almas de figuras como Abraão, Isaías, João Baptista, etc,(II, cap 18,1), todas ela ali habitando em espírito e aguardando a sua libertação por via da completa purificação pelo espírito de Deus, que neste caso, ( neste texto), lhes aparece através de Jesus.
Ou seja: o inferno é visto tanto em certas tradições gnósticas, como nas mais ancestrais teologia hebraicas, como o «mundo espiritual», e não como o «inferno» que os padres Católico -Romanos “venderam” ao povo durante a Idade Media, apenas para o amedrontar e assim manter sob sua alçada, guiado pelo grilhões do medo.
Esta noção que a igreja Católico-Romana criou de um Inferno punitivo, assim como a criação imaginária de um «purgatório» cuja a existência, no Século XX , já foi desmentida pela própria Igreja através do papa João Paulo II (1920 -2005 ), serviram apenas para vender «bulas papais» e «perdões celestiais» ás classes mais altas da sociedade, enriquecendo assim os cofres do Vaticano de tal forma, que se edificou uma das mais invejáveis fortunas do mundo que ainda hoje existe.
A troco da salvação de uma alma, (para que ela não acabasse no inferno, ou para que ela saísse rapidamente do purgatório e fosse para o céu), a igreja católica vendia perdões papais que «limpavam» todos os pecados de uma alma. Claro, fazia-o em troca de elevadas quantias de dinheiro, ou grandes doações de património. Assim se construiu a fortuna do Vaticano, sob a ideia da existência de um «inferno» punitivo que tanto assustou as pessoas e tanto dinheiro gerou aos cofres da igreja.
Esta noção de «inferno», foi a maior fonte de receitas financeiras da igreja, motivo pelo qual o Vaticano acumulou fortunas ao longo de séculos e séculos, tornando-se assim no mais rico estado do mundo. No entanto, por muito lucrativa que essa noção de «inferno» seja para o catolicismo, a verdade é que não existe, é apenas uma invenção criada a partir do conceito hebraico de «shoel», que significa: túmulo, cova, sepultura, ou seja: trata-se daquilo que comummente chamamos do mundo do Além-túmulo, ou apenas «mundo dos espíritos».
Segundo as noções místicas hebraicas mais ancestrais, o «sheol», é o lugar para onde as almas humanas, após a morte do corpo, ingressam; ou seja, não existe uma noção de «inferno» punitivo neste conceito, mas antes a mera noção do «mundos dos mortos», ou o «mundo dos espíritos», onde ai vivem em espírito todos aqueles que faleceram. A esse reino dos espíritos, os hebraicos chamavam de «Sheol», e na verdade não se trata de nenhum «inferno». È apenas o mundo do espírito, para onde transitam as almas de quem morre fisicamente neste mundo.
Na demonologia Babilónica, o Inferno chamava-se Aralu, e era governado por Nergal, o Senhor do submundo, e a sua esposa Ereshkigel, num claro paralelismo entre Lúcifer e Lilith. Porem o inferno Babilónico não era um poço de alcatrão, enxofre e chamas flamejantes como na versão cristã, mas sim um local feito de pó e lama.
Na demonológica escandinava, aquilo que hoje em dia se conhece por inferno era um local chamado de Nifl heim, no Alemão moderno «Nebelheim» ou seja, o «lar da névoa», o local das névoas eternas para onde as almas iam habitar quando desencarnavam deste mundo, e que por vezes visita e se cruza com este mundo na forma de neblina mística. Era um local frio e de noite sem fim, governado pela rainha demoniza dos mortos, chamada Hela, cujo o nome veio a dar origem á palavra Inglesa «Hell», ou seja, «inferno». E já nesses tempos, as bruxas celebravam obscuros ritos, invocando a essas névoas do mundo do Além-túmulo, de onde vinham espíritos de mortos e demónios que as auxiliavam na realização dos seus trabalhos de magia negra.
John Milton ( 1608 – 74), foi o autor de «Paradise Lost», um dos mais célebres poemas demonológicos e esotéricos, terminado em 1663. Há quem afirme que o autor teve uma verdadeira devoção artística a Satanás, assim como há quem o classifique como um brilhante demonologista que expressou pela poesia alguns dos mais preciosos saberes ocultos. Na sua obra, Milton revela que o Inferno acaba por ser uma criação não de Deus, mas sim de Satanás, que o faz numa espécie de piada cósmica contra o seu Pai, uma vingança que havia de marcar a história da Criação.
Satã, ou Satanás, que na obra de Milton é descrito como aquele que quebrou a Paz no Céu. Satanás dá como razão para a sua rebeldia ter-se sentido preterido face ao Homem, motivo pelo qual há quem lhe aponte o pecado do orgulho, mas também o pecado da inveja, ou do ciúme. Na Antiguidade, a sua queda foi vista como a rebelião de Saturno como um Deus que ele sabia ser omnipotente, e que mesmo assim afrontou. Foi por causa desta disputa, que Satanás tentou Adão e Eva, e encorajou o pecado, e por esse meio abriu uma ampla ponte de passagem entre o céu e a terra. Foi depois da ocorrência do pecado de Adão e Eva, que almas humanas começaram tanto a descer para o inferno, assim como a subir para o Céu. Desse modo, o Deus Pai Todo-Poderoso que tanto amava os humanos ao ponto de ter desprezado a Satanás, agora tinha de viver com esse humanos lá no seu precioso Céu, que antes era apenas o seu domínio exclusivo, e das suas legiões de anjos. Percebe-se em Milton, que foi essa a grande vitoria de Satanás: não foi condenar almas no Inferno, nem ali aprisioná-las; foi antes abrir uma porta para essas almas irem para o Céu. Agora, o Pai que habitasse e partilhasse o seu Reino e o seu lar com os humanos. Foi essa a grande piada Cósmica, e vingança de Satanás.
Já Mulciber, o demónio que é chamado o arquitecto do Pandaemonium, ou do inferno. Ele é o arquitecto dos edifícios e torres erguidas na cidade infernal. Este demónio foi adorado pelos Romanos na forma do Deus Pagão Vulcano.
Astaroth ou Astarte, é o tesoureiro do Inferno. Tem por isso enorme poder naquele reino, e é um dos demónios que podem conceder vastas riquezas. Astaroth foi também um dos sete príncipes do Inferno que visitou o celebre Fausto, ou Johann Faust ( 1488 – 1538), um bruxo e conjurador de demónios cujo o nome foi adoptado pelo notório poeta e dramaturgo Inglês Christopher Marlowe ( 1564 – 1593), na sua obra Tragical History of Doctor Faustus (1589). Já o célebre Faust do famoso Johann Wolfgang Goethe ( 1749 – 1832), foi escrito de 1770 a 1832, assim como a abertura de Richard Wagner ( 1813 – 1883), em 1839. s. Cipriano o bruxo (f.258 d.C), e o seu pacto com o Diabo serviu de base a importantes obras escritas sobre a tradição mística de pactos demoníacos, como Cyprian von Antiochen und die Deutsche Faustsage , de publicado em Erlangen, 1882, e que relaciona Cipriano ao célebre pacto de Fausto.de quem Mephistopheles era seu espirito demoníaco familiar. O inferno, e os pactos com os seus demónios, foram desde sempre observados, documentados e registados na historia da humanidade.
Lewis Spence ( 1874 – 1955), um notório ocultista Escocês, no seu compendio «Encyclopaedia of the Occult» (1920), dá nota do conceito de Gehenna. Para os Persas, o Gehenna era o lugar habitado pelos anjos rebeldes, ao passo que para os Hebreus era um local para onde os ímpios são enviados quando deixam a terra. A palavra Gehenna deriva do hebraico Ge e Hinnom, referindo-se ao vale de Hinnom, um vale da Palestina onde o Deus pagão Moloch era venerado.
Quando o grande poeta Italiano Dante Alighieri ( 1265 – 1321), escreveu o seu poema épico Divina Commedia ( 1304 – 1208), ele era para representar uma jornada no caminho para Deus, e porem tornou-se um dos textos mais preciosos na descrição de demónios e das hierarquias infernais. O texto possuía tantas referencias invulgarmente acertadas e extraídas de antigos conhecimentos clássicos da Antiguidade, que passou a ser observado por muitos como uma fonte de informação nas ciências ocultas da demonologia. A obra tornou-se de tal forma proeminente, que alguns dos demónios ali mencionados, e as hierarquias do Inferno, passaram a constar de grimórios de magia negra escritos posteriormente. Na sua Commedia, o inferno é descrito por Dante como um vasto poço no qual as almas condenadas sofrem. Já Charles Nodier ( 1780 – 1844), escreveu a obra Infernalia, que consta de uma colecção de escritos relacionados com o Inferno.
Sobre um Inferno, há um antigo ditado entre as bruxas da Idade Média, que dizia que «aquelas de nós – bruxas – que encontraram o seu inferno aqui na terra, encontrarão o seu paraíso no inferno». Era uma crença comum entre as antigas bruxas da Idade Média, que por isso não encontravam motivos de receio no Inferno.
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